Santos e o Tempo
É possível medir em ordem “cronológica” o efeito e as conseqüências dos acontecimentos que se sucederam na vida, para saber o que aquele momento de uma vida, pode significar hoje, neste momento de uma mesma vida?
É possível medir o Tempo em etapas? E a memória?
Na mitologia grega, Zeus, seu deus mais importante, antecessor do monoteísmo, é filho de “CRONOS”, o Tempo. Para os gregos, Deus está no ventre do Tempo. Unidos e indissolúveis.
Não consigo perceber o Tempo a não ser pelo que tenho, hoje, vivo, dentro de mim. Outros passaram por este Festival, e se encaminharam em direção a seus horizontes. Não necessariamente o do Teatro. Neles o evento estará menos vivo que em mim?
O “Festa” estará, em partículas que contêm o todo, multiplicado em todas as pessoas que, ao longo destes tempos, dele participaram. Um evento não se eterniza por revelar pessoas ou atividades que venham representar alguma coisa para a vida pública.
Ele, o encontro, tem em si, significância.
Os Festivais de Teatro na Grécia, passavam a limpo as questões políticas, sociais e religiosas, que a comunidade grega enfrentava. Estão vivos até hoje em nosso tempo e nossa memória, pela contemporaneidade de suas propostas e reflexões. São idéias em perpétuo movimento no ventre do Tempo, que as gera, expele, recupera e atualiza.
Eu sou hoje o que eu era antes. Embora antes eu já soubesse tudo isto que eu penso que só aprendi hoje. Só uma memória. A memória do passado, do presente e do futuro.
Ser contemporâneo é não perder suas conexões com o Tempo, de qualquer época, sabendo, portanto, a diferença entre um e outro. Entre o Tempo e a Época. O Teatro é filho do tempo ( como os Deuses) e não das épocas, como as ideologias.
Os festivais de Teatro, sempre de natureza religiosa, próxima ou remota, cumpririam em todos os tempos uma função, histórica, sociológica, antropológica, importante. Reunir em movimento, novas possibilidades humanas de aperfeiçoamento, expressão, reflexão, jogo, prazer e de desenvolvimento mental, emocional e espiritual.
Na era das “ Virtualidades” o Teatro recupera para o ser humano a possibilidade de contato real comigo mesmo e com o mundo, visível e invisível, nos situando nas curvas do Tempo e refazendo nossas ligações com Zeus, o filho de Cronos. Nós que também somos criadores, e filhos do Tempo.
O “Festa” faz parte da minha memória inteira, desde sua primeira realização até sua possível última edição. Minhas homenagens a Paschoal Carlos Magno, cujos caminhos sempre prolíficos e generosos, se cruzaram com os do Festa, na época da minha grande iniciação.
Me sinto hoje aqui, como me senti há 50 anos atrás. Me sentia então, como me sinto hoje aqui. Tudo está vivo e em movimento. Somos todos filhos do Tempo. O “Festa” também. Somos todos Deuses.
Amir Haddad
Participante e vencedor do FESTA 1958
Texto escrito especialmente para a revista do FESTA 50 anos.
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